Em comunidades indígenas, quilombolas e ribeirinhas, sons comuns como passos, vozes ou visitas inesperadas podem desencadear transtorno de ansiedade. A maioria dos transtornos psicológicos está associada ao medo, que é mediado por neurotransmissores e hormônios como a noradrenalina e o cortisol.
Ansiedade, depressão e transtorno de estresse pós-traumático são os diagnósticos psiquiátricos mais comuns na população brasileira, segundo a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS). Em comunidades afastadas, as invasões territoriais e queimadas têm sido os principais fatores que estimulam esses transtornos.
Mato Grosso liderou o ranking de queimadas no Brasil por quatro meses consecutivos, de março a junho deste ano, conforme uma análise do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O estado tem uma grande concentração de comunidades indígenas e é frequentemente alvo de madeireiros clandestinos. Essa prática acelera o desmatamento e compromete gravemente a integridade mental dos membros das comunidades locais, segundo especialistas.
Em comunidades indígenas, quilombolas e ribeirinhas, sons comuns como passos, vozes ou visitas inesperadas podem desencadear transtorno de ansiedade. Para esses grupos, os ruídos são frequentemente associados a perigos iminentes, como incêndios ou a presença de pessoas mal-intencionadas, diferentemente do que ocorre na maior parte da população.
Uma análise do Instituto Socioambiental (ISA), mostra o quanto essa situação é mais alarmante em Mato Grosso, onde três territórios indígenas foram invadidos e mais de 310 hectares foram desmatados no ano passado (veja gráfico acima).
A Terra Indígena Zoró, localizada na divisa entre Mato Grosso e Rondônia, que registrou um aumento de 88% no desmatamento em 2023 em comparação com o ano anterior, indica a presença de mineração ilegal na área. Somente neste ano, mais de 5 mil árvores foram derrubadas na região.
O levantamentou apontou que, em todo o país, o desmatamento em territórios indígenas totalizou 821 hectares em 2023, destacando a vulnerabilidade dessas áreas e reforçando a conexão entre a degradação ambiental e o impacto na saúde mental das comunidades afetadas.
🚨 De acordo com uma pesquisa do Instituto Nacional de Saúde Mental dos Estados Unidos, a maioria dos transtornos psicológicos está associada a diversos fatores, incluindo o medo, que é mediado por neurotransmissores e hormônios como a noradrenalina e o cortisol. O estudo aponta que a desregulação desses sistemas pode levar a consequências adversas e ao desenvolvimento de transtornos psiquiátricos e cardiovasculares.
O psiquiatra Rodrigo de Jesus ressaltou que a exposição constante das comunidades isoladas a situações traumáticas, como invasões e queimadas, pode causar níveis elevados de estresse e ansiedade, eventualmente levando ao desenvolvimento de transtornos mais graves.
“Em comunidades afastadas, esses eventos aumentam a vulnerabilidade à ansiedade, transtornos de pânico e até depressão. A ameaça constante à subsistência e segurança pode intensificar esses problemas, tornando-os mais propensos a desenvolver transtornos mentais. A situação das comunidades em Mato Grosso é um exemplo claro de como problemas ambientais e sociais afetam a saúde mental ”, explicou.
Além dos problemas relacionados ao meio ambiente, a análise de Rodrigo destaca que outros fatores podem impactar negativamente na saúde mental dos moradores de pequenas comunidades. Esses fatores incluem:
- 🥼Escassez de profissionais de saúde mental
- 🖥️Uso inadequado da internet
- 🚫Exposição à violência e perda
1 – Falta de profissionais em comunidades afastadas
Rodrigo explica que a escassez de profissionais de saúde mental em áreas remotas é um desafio significativo.
“Em comunidades com um número limitado de psicólogos e psiquiatras, a falta de suporte pode agravar os problemas de saúde mental. É crucial que haja uma presença contínua de profissionais para fornecer suporte adequado e tratamento preventivo”, pontuou.
O fotógrafo Katngotxi Suyá, de 20 anos, do Povo Khisetje, localizado no município de Querência, a 912 km de Cuiabá, ilustra bem esse desafio. Ele relatou que a comunidade, composta por cerca de 400 habitantes, tem acesso a apenas uma psicóloga, que precisa se deslocar do distrito até a aldeia para realizar os atendimentos.
Além disso, Katngotxi mencionou que a região tem enfrentado um aumento nos focos de incêndio, algo que não era comum até alguns anos atrás, e que esses eventos têm impactado na saúde mental da comunidade. Segundo ele, os moradores ficam ansiosos e temem a cada novo incêndio, justamente por não saberem a proporção que o fogo poderá tomar.
“Estamos acompanhando e registrando os focos de incêndio. Recentemente, tiramos fotos de desmatamento perto da aldeia principal e do rio, e houve queimadas na área. As plantações têm sido afetadas pelo calor, e a saúde da comunidade também sofre com as condições climáticas. Temos medo de perder nossos recursos naturais e estamos preocupados em controlar o fogo”, relatou.
2 – O uso excessivo da internet em áreas isoladas
Manter-se online tornou-se uma rotina para praticamente todos os brasileiros. No entanto, embora a internet possa ser uma ferramenta valiosa, o acesso a conteúdos negativos e estressantes pode prejudicar a saúde psicológica e emocional, principalmente dos moradores que vivem em comunidades afastadas que, muitas vezes, não possuem outras atividades para manter a mente ocupada.
“Percebo que é de grande valia para essas populações, democratizando o acesso à serviços e oportunidades, por outro lado o impacto negativo para essas populações é bem análogo ao impacto para as populações metropolitanas, que se refere ao uso não saudável da internet, que nessa classe de uso podemos pensar nos vícios em jogos e pornografia por exemplo”, ressaltou o psicólogo do Hospital Universitário Júlio Müller, Rafael Olímpio.
3 – A violência como combustível para transtornos mentais
Entre pessoas expostas a traumas, como é caso das comunidades isoladas que vivem em constantes ameaças, o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) é bastante comum, especialmente após eventos de violência e perda, aponta o médico psiquiatra.
“Transtornos de ansiedade e depressão são prevalentes. Cada caso é único, e a predisposição genética, fatores ambientais e outras condições pessoais influenciam o desenvolvimento desses transtornos”, concluiu Rodrigo.