A vítima mais jovem tinha 18 anos, enquanto a mais velha era tinha 84 anos. Veja relatos de amigos e familiares para conhecer quem eram essas mulheres e quais sonhos deixaram de ser realizados.
Lediane Ferro da Silva, Francisca Alves Nascimento e Mayla Rafaela Martins. Esses são alguns dos nomes por trás dos números de mulheres vítimas de feminicídio em Mato Grosso, entre os meses de janeiro a julho de 2024.
❗O feminicídio é uma qualificadora de homicídio incluída no Código Penal pela Lei n° 13.104. É aplicada em casos de assassinato praticados contra mulheres em razão do gênero, seja por discriminação à condição de mulher ou por violência doméstica e familiar. A pena é de reclusão de 12 a 30 anos.
Segundo a Polícia Civil, 80% dos feminicídios cometidos, neste ano, foram no ambiente doméstico e 55% com o uso de arma branca. A vítima mais jovem tinha 18 anos, enquanto a mais velha era tinha 84 anos (confira lista abaixo).
Vítimas de feminicídios em MT
VÍTIMA | IDADE | CIDADE | DATA DO CRIME |
Dinamar Ferreira da Silva | 46 | Comodoro | 07/01 |
Rosilda Nogueira Rodrigues | 61 | Santa Terezinha | 10/01 |
Francisca Alves do Nascimento | 35 | Lucas do Rio Verde | 15/01 |
Mayla Rafaela Martins | 22 | Lucas do Rio Verde | 16/01 |
Genislene Bento Freire | 25 | Santo Antônio de Leverger | 11/02 |
Viturina Ares Cebalho | 48 | Cáceres | 17/02 |
Janaina Ribeiro do Nascimento | 31 | Peixoto de Azevedo | 18/02 |
Lorrane Cristina Silva de Limas | 23 | Diamantino | 13/03 |
Horaide Bueno Stringuini | 84 | Cuiabá | 28/03 |
Rosangela Oliveira da Silva | 49 | Juscimeira | 01/04 |
Eva Domingas de Oliveira | 39 | Várzea Grande | 05/04 |
Lediane Ferro da Silva | 43 | Peixoto de Azevedo | 15/04 |
Elenice Moreira dos Santos | 42 | Guiratinga | 26/04 |
Maira Balbino Dias | 39 | Vila Rica | 20/05 |
Juliana Alves Pereira dos Santos | 27 | Cuiabá | 31/05 |
Bruna de Oliveira | 24 | Sinop | 02/06 |
Maria Vitória Nastácio Vieira | 20 | Sinop | 05/06 |
Eliziane Martins de Oliveira | 24 | Nova Ubiratã | 09/06 |
Jhulia Glezia Souza Neres | 18 | Guiratinga | 15/06 |
Daiane Pacifico da Silva | 21 | Aripuaña | 30/06 |
Raquel Cattani | 26 | Nova Mutum | 19/07 |
Quem são as vítimas
Para não deixar que esses crimes se reduzam somente a estatísticas, amigos e familiares de algumas dessas vítimas para contar quem eram essas mulheres e quais sonhos foram interrompidos.
É essencial que as vítimas de feminicídios não sejam esquecidas, pois a memória dessas mulheres é um ato de resistência e uma forma de honrar as vidas interrompidas. Cada nome e história representa não apenas a perda de um ser humano, mas também um chamado urgente à mudança
Mayla Rafaela Martins, de 22 anos, adorava assistir a novelas antigas e tinha um carinho especial pelos animais. Um dos sonhos da jovem era comprar uma casa para a irmã caçula, já que as duas estavam sempre juntas.
Outro sonho de Mayla era morar fora do Brasil. Ela tinha planos para ganhar dinheiro e construir uma nova vida em outro lugar. A previsão era que o sonho fosse concretizado em 2025, mas foi assassinada em janeiro deste ano.
A jovem foi morta a facadas pelo empresário Jorlan Cristiano Ferreira, de 44 anos, que confessou o crime à Polícia Civil. Os dois mantinham um relacionamento extraconjugal, no entanto, o empresário, que era casado, não teria aceitado o término e passou a ameaçá-la.
O corpo da vítima foi achado enrolado em uma piscina infantil, em meio a plantação de uma fazenda localizada entre Lucas do Rio Verde e Sorriso, no norte do estado.
Jhulia Glezia Souza Neres, 18 anos, morava em Guiratinga, a 334 km de Cuiabá. Ela estava cursando o 1° ano do ensino médio e foi descrita como uma menina carinhosa e brincalhona.
A jovem tinha planos de procurar uma agência quando terminasse os estudos, para seguir o sonho de se tornar modelo. Jhulia gostava muito de dançar e de desenhar. Ela também sonhava em mobiliar a casa em que vivia.
Jhulia foi morta a facadas após ter a casa invadida pelo ex-namorado, de 23 anos. Segundo a polícia, no momento do crime, o homem começou a enforcar a vítima enquanto questionava se ela havia se envolvido com o irmão dele.
Horaide Bueno Stringuini, de 84 anos, era gaúcha, mãe, avó e bisavó. Estava aposentada e morava sozinha em Cuiabá. Era uma mulher comunicativa, gostava de tomar chimarrão duas vezes ao dia e uma cervejinha, de vez em quando.
Possuía um amor sem igual pelos netos e tinha como principal hobbie cozinhar para a família e passear pelo centro da capital.
A idosa foi encontrada morta dentro da própria casa. O suspeito era funcionário de uma distribuidora que fica ao lado da casa da vítima e confessou o crime.
Inicialmente, ele foi indiciado pelos crimes de roubo qualificado, estupro com resultado morte, homicídio qualificado por motivo fútil – recurso que impossibilitou a defesa da vítima – e feminicídio. No entanto, após a mudança na tipificação do crime, o homem deixa de responder por feminicídio e passa a responder por latrocínio.
Raquel Cattani, de 26 anos, era filha do deputado estadual Gilberto Cattani (PL). Empreendedora, mãe dedicada e amante da vida no interior. Ela atuava na produção de queijos artesanais e teve dois produtos premiados no Mundial do Queijo, no quesito melhor queijo ‘Maringá’ e ‘Nozinho temperado’.
Raquel foi morta após ser esfaqueada ao menos 30 vezes pelo ex-cunhado, Rodrigo Xavier, a mando do ex-marido, Romero Xavier, que não aceitava o fim do relacionamento.
Romero é pai de ambos os filhos de Raquel – um menino de 6 anos e uma menina de 3 anos. Durante o velório da empresária, ele se mostrou muito abalado e permaneceu ao lado do caixão junto ao pai da vítima.
O que diz a polícia
A delegada titular da Delegacia da Mulher de Cuiabá, Judá Marcondes, informou que os índices de feminicídios em Mato Grosso no primeiro semestre de 2024, se comparado com o mesmo período do ano passado, aumentaram em 5%.
Segundo ela, dentre todos os casos registrados neste período, na capital, nenhuma das vítimas solicitou medidas protetivas contra o suspeito.
O número de medidas protetivas em Mato Grosso subiu para 8.859 no primeiro semestre de 2024. O aumento é de 10%, em comparação com o mesmo período do ano anterior, que teve 8.023 medidas registradas.
Em 2018, a Lei Maria Da Penha foi alterada, e o descumprimento de medidas protetivas passou a ser considerado crime, com pena de 6 meses a 2 anos de prisão.
De acordo com a delegada, em alguns casos, existem certos tipos de violências que podem anteceder ao crime de feminicídio, são elas:
Violência física
- Bate ou espanca, empurra
- Atira objetos, sacode
- Morde ou puxa os cabelos da mulher
- Mutila ou tortura
- Usa qualquer arma branca, como uma faca ou outra ferramenta, além da armade fogo, para machucá-la
Violência psicológica
- Xinga, humilha, ameaça
- Critica o tempo todo
- Debocha publicamente, diminui a autoestima
- Fala que a mulher está louca e tenta controlar tudo o que ela faz
Violência sexual
- Ocorre quando o companheiro (ou ex) força a mulher a ter relações sexuais ou quando ela está dormindo ou não tem condições para consentir
- Obriga a mulher a olhar imagens pornográficas ou a fazer sexo com outra pessoa
- Não deixa a mulher se prevenir de uma gravidez ou mesmo a obriga a fazer um aborto
Violência patrimonial
- Quando o homem controla a mulher e seus bens
- Retém ou tira dinheiro dela
- Causa danos de propósito a produtos que ela gosta
- Destrói, detém objetos e documentos pessoais, além de outros bens e direitos
Violência moral
- Quando o homem faz comentários ofensivos diante de estranhos ou mesmo de conhecidos
- Humilha publicamente e expõe a vida íntima do casal a outras pessoas, inclusive nas redes sociais
- Acusa publicamente a mulher de cometer crimes, inventa histórias, fala mal dela para outras pessoas com o objetivo de prejudicá-la e diminuí-la
Como pedir ajuda?
O aplicativo ‘SOS Mulher MT‘ é uma das alternativas criadas para ajudar vítimas de violência doméstica em Mato Grosso. O aplicativo conta com um botão do pânico, por meio dele a vítima pode fazer um pedido de socorro quando o agressor descumprir a medida protetiva.
Dados da Polícia Civil apontam que houve um aumento de 31% na procura pelo aplicativo neste primeiro semestre ano, com 3.376 downloads. Já as solicitações de medidas protetivas com o Botão do Pânico cresceram 9%, com 2.731 pedidos.
O Botão do Pânico virtual está disponível, por enquanto, nas cidades de Cuiabá, Várzea Grande, Cáceres e Rondonópolis.
Nos outros municípios do estado, a plataforma pode ser acessada para as outras funções, como direcionamento à medida protetiva online, telefones de emergência, endereços das Delegacias da Mulher, Plantão 24h, denúncias sobre violência doméstica e também acesso à Delegacia Virtual para registro de ocorrências.