Queda na popularidade e dificuldade na articulação entre governo e Congresso Nacional.
Estes foram os principais temas abordados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) durante um café da manhã com jornalistas do qual a BBC News Brasil participou na manhã desta terça-feira (23/04).
Mas para além das dificuldades em aprovar medidas de interesse do governo e dos projetos para alavancar a economia do país, Lula enviou recados sobre sua política externa.
Lula falou diretamente sobre as eleições na Venezuela, a relação do governo com o atual presidente da Argentina, Javier Milei, e sobre o que ele classificou como dificuldades para o processo de integração regional na América do Sul.
Em uma fala entendida nos bastidores como um recado velado a Milei, Lula criticou aqueles que acham que uma suposta proximidade com os Estados Unidos possa trazer vantagens.
“Se a gente achar que individualmente a gente vai ter chance…’Ah… eu sou mais amigo dos Estados Unidos e ele vai me privilegiar’, isso é bobagem. Bobagem”, disse Lula.
Na entrevista, Lula falou sobre as eleições na Venezuela e classificou como “extraordinária” a união dos principais líderes da oposição do país em torno de um único nome para disputar a eleição presidencial.
O nome escolhido foi o do ex-diplomata Edmundo Gonzales.
“[Na Venezuela] Está acontecendo uma coisa extraordinária. A oposição toda se reuniu e está lançando um candidato único. Vai ter eleições”, disse Lula.
“Acho que vai ter acompanhamento internacional sobre as eleições e é interesse de muita gente querer acompanhar. Se o Brasil for convidado, vai participar do acompanhamento destas eleições.”
O presidente brasileiro defendeu também que os Estados Unidos removam sanções econômicas contra a Venezuela, algumas das quais foram novamente impostas na semana passada após autoridades locais terem impedido o registro de duas candidatas de oposição ao presidente Nicolás Maduro.
“Eu fico torcendo para que a Venezuela volte à normalidade, para que os Estados Unidos tire as sanções e a Venezuela possa voltar a receber de volta o povo que está deixando a Venezuela pela situação econômica”, disse Lula.
A declaração de Lula vem na esteira de uma postura considerada mais neutra pela diplomacia brasileira e que o governo vem adotando nas últimas semanas em torno do processo eleitoral venezuelano.
Duas candidatas contrárias ao regime de Maduro, Maria Corina Machado e Corina Yoris, não conseguiram se candidatar, e o papel do órgão eleitoral venezuelano nisso é criticado pela oposição.
Em 6 de março deste ano, Lula se referiu ao impedimento de Maria Corina Machado de se candidatar à Presidência.
Machado vinha sendo apontada por observadores políticos como a principal adversária política de Maduro.
Lula disse, no entanto, que a oposição a Maduro não deveria ficar “chorando” por conta do impedimento de candidaturas.
“Fui impedido de concorrer às eleições de 2018. Ao invés de ficar chorando, indiquei um outro candidato [Fernando Haddad] que disputou as eleições”, disse.
A fala foi criticada por Machado e por líderes da oposição brasileira.
Depois disso, no início de abril, Lula mudou o tom e criticou o veto a candidaturas de oposição.
“É grave que a candidata não possa ter sido registrada”, disse Lula durante encontro com o presidente francês, Emmanuel Macron.
Na semana passada, o governo brasileiro emitiu uma nota na qual dizia apoiar uma proposta feita pela Colômbia que previa um plebiscito junto com as eleições venezuelanas, o qual estabeleceria que as partes vencidas nas eleições não seriam perseguidas pelos vencedores.
Lula também falou sobre as relações do país com a Argentina.
Na semana passada, a ministra das Relações Exteriores do país, Diana Mondino, veio ao Brasil e entregou uma carta enviada por Milei ao presidente Lula e ao ministro das Relações Exteriores brasileiro, Mauro Vieira.
Veículos de imprensa argentinos informaram que, na carta, Milei teria pedido um encontro bilateral com Lula. O presidente brasileiro foi perguntado sobre se receberia Milei, mas não respondeu sobre um eventual encontro.
“Eu sei que o meu chanceler recebeu uma carta do presidente Milei, mas acontece que o meu chanceler viajou e eu ainda não vi a carta. Quando ele regressar, eu devo receber a carta. Não sei o que o Milei está dizendo na carta, portanto eu não posso responder”, disse Lula.
“A única coisa que eu posso adiantar é que, depois que eu ler, eu tenho interesse de que a imprensa saiba o que o presidente da Argentina quer conversar com o Brasil.”
Milei e Lula nunca se encontraram.
Esta foi a segunda carta de Milei a Lula e é vista por dois diplomatas com os quais a BBC News Brasil conversou em caráter reservado como uma tentativa de “normalizar” as relações entre os dois países.
A primeira foi enviada pouco após a vitória eleitoral de Milei, no final de 2023, e continha um convite para que o presidente brasileiro fosse à posse, em Buenos Aires. Lula, no entanto, não foi ao evento.
As relações entre os presidentes dos maiores países da América do Sul são consideradas frias por diplomatas.
Milei, que se considera como um anarcocapitalista de direita, fez diversas críticas a Lula durante sua campanha eleitoral e já se manifestou favoravelmente ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), principal adversário político de Lula.
Em12 de abril, em visita aos Estados Unidos, Milei se encontrou com o dono do X (antigo Twitter) Elon Musk e ofereceu “ajuda” em relação ao conflito que o empresário sul-africano vinha tendo com o Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro em relação a decisões tomadas pelo ministro Alexandre de Moraes.
O governo argentino, no entanto, não informou de que forma seria essa ajuda.
Nos bastidores, a fala de Lula sobre um suposto tratamento privilegiado que os Estados Unidos poderiam dar a países da América do Sul é visto como um recado velado a Milei.
Ao longo da sua campanha eleitoral, o argentino prometeu uma relação mais próxima com os Estados Unidos e com o ex-presidente Donald Trump, que é candidato do partido Republicano às eleições presidenciais norte-americanas.
Milei e Trump se encontraram pessoalmente em fevereiro.
Lula também se manifestou sobre o processo de integração regional da América do Sul e admitiu que o cenário encontrado por ele agora é mais complexo do que o que encontrou em seus dois primeiros mandatos.
“Imagina o que era a América Latina com [Ricardo] Lagos ou Michelle Bachelet, com Christina [Kirchner] ou com [Néstor] Kirchner, com o [Fernando] Lugo, no Paraguai, com Tabarez [Vásquez] ou [Pepe] Mujica no Uruguai, com o [Hugo] Chávez, na Venezuela, com o Evo Morales, na Bolívia.”
“Era uma América do Sul com 80% dos governos de compromisso com a esquerda, com a tese de um Estado socialmente justo”, disse Lula em referência a ex-presidentes sul-americanos.
Para Lula, o cenário atual é resultado do crescimento da direita radical na região.
“Se você pegar a América do Sul, hoje, você percebe que houve um retrocesso exatamente pelo crescimento da extrema-direita, da xenofobia, do racismo, da perseguição às minorias”, disse Lula.
A fala de Lula acontece em um momento em que alguns de seus projetos para a integração regional ainda não foram implementados.
Um deles é a reativação de fato da União das Nações Sul-Americanas (Unasul), criada em 2008. O grupo, porém, foi alvo de um esvaziamento político após a eleição de líderes com perfis diferentes daqueles que participaram do seu fundamento.
A partir de 2015, aproximadamente, líderes de centro-esquerda foram pouco a pouco substutídos por políticos de direita ou centro-direita.
Em 2018, Brasil, Peru, Paraguai, Colômbia e Chile anunciaram a suspensão de suas participações no grupo.
Em 2023, o Brasil, no entanto, anunciou o seu retorno à Unasul, mas as atividades do grupo não foram efetivamente retomadas.
Lula defendeu que a região forme uma espécie de aliança para negociações futuras, mas admitiu que a situação política é “difícil”.
“Cada país tem interesse prioritário em ganhar. Quem tem que gostar do Brasil é o Brasil. Quem tem que gostar da Colômbia são os colombianos. Se a gente fizer uma política de aliança, a gente vai respeitar as diferenças, mas a gente vai fazer nossa economia crescer. O Brasil precisa fazer isso com todos os países, apesar da dificuldade política que nós temos hoje.”
“Está muito difícil, mas temos que tentar. Esse é o papel do Brasil”, afirmou o presidente.
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