Em 2023, 58 crianças do povo Xavante de Mato Grosso morreram, segundo dados obtidos junto ao Ministério da Saúde, após solicitação via Lei de Acesso à Informação. Parte da morte dessas crianças, de 0 a 12 anos, ocorreu por doenças como desnutrição, anemia, diarreia e pneumonia. A pediatra, doutora e professora da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Natasha Slhessarenko, ressalta que essas doenças são evitáveis.
O maior número de mortes é por pneumonia ou broncopneumonia: ao todo foram 10 em 2023. Já por desnutrição foram 3 e o mesmo número por diarreia.
O documento também mostra que duas dessas mortes foram registradas como “sem assistência”. Em nota, o Ministério da Saúde informou que a classificação “morte sem assistência” não indica ausência de cuidados ou atendimento clínico no momento da morte, mas sim a ausência de acompanhamento da doença que levou à morte.
“Médicos utilizam essa variável quando não têm informações suficientes para determinar a causa básica do óbito. Todo indígena residente em território recebe assistência da equipe de saúde e, em casos graves, é encaminhado para a rede de referência de média e alta complexidade, conforme os fluxos de assistência à saúde da Rede SUS”, diz a nota.
Além disso, o órgão também diz que as Equipes Multidisciplinares de Saúde Indígena (EMSI) priorizam a remoção imediata de casos graves, especialmente de crianças menores de cinco anos, para atendimento urgente e especializado em hospitais.
“Os profissionais de saúde que atuam nos territórios indígenas são orientados sobre a notificação das Declarações de Óbito e os Dsei (Distrito Sanitário Especial Indígena) dispõem de referências técnicas para a vigilância e investigação das mortes. Quanto ao sepultamento sem perícia, é importante considerar a perspectiva indígena sobre os ritos fúnebres, já que muitos não aceitam intervenções invasivas”, diz trecho da nota.
Mortes em anos anteriores
Em 2022, o número de mortes de crianças do povo Xavante foi maior e chegou a 77. Já em 2021 foram registradas 62 mortes.
A pediatra Natasha Slhessarenko lembra que esse é um problema antigo e relata que quando fazia faculdade em Mato Grosso, nos anos 80, chegou a ver uma criança Xavante com um caso grave de desnutrição e lamenta que a doença ainda seja registrada. (Veja acima)
“Uma criança de 1 ano e pouco que chegou em uma incubadora de bebê. Ela tinha o peso de uma criança recém-nascida, de 3 kg. Já estava cega, por causa da deficiência de vitamina A. E o que a gente vê é que essas doenças ainda continuam prevalentes”, diz.
Para a especialista, esses casos seriam evitados se fossem reforçados os serviços de atenção primária e vigilância nos territórios indígenas. Ela também explica que a desnutrição primária é ocasionada pela falta de alimento.
“Falta oferta, essas crianças não estão comendo. Existe a falta de ingestão de proteína, às vezes é uma desnutrição global, falta tudo, todos os nutrientes”, explica.
As doenças evitáveis que mais levaram à morte de crianças Xavante nos últimos três anos foram a pneumonia ou broncopneumonia. Em 2023 foram 10. No ano de 2022 chegou a 12. Já em 2021 foram registradas 11.
Sobre os casos, a pediatra Natasha Slhessarenko explica que imunodeprimidas, as crianças ficam mais suscetíveis às doenças infectocontagiosas.
“A desnutrição é um ciclo. A pessoa desnutrida é imunodeprimida e tem problema de imunidade. Então, junta desnutrição, anemia e ela fica mais suscetível a ter as doenças infectocontagiosas. E a pneumonia é uma doença infecciosa”, diz.
Para evitar a doença, a pediatra lembra que os bebês começam a tomar as vacinas com dois meses: a Haemophilus influenzae tipo B, que foi introduzida com o objetivo de diminuir as doenças invasivas dessa bactéria, principalmente a meningite.
A presidente da Federação dos Povos Indígenas de Mato Grosso (Fepoimt), Eliane Xunakalo, disse que acompanha a situação e tem relatado os casos aos órgãos competentes.
“Estamos buscando uma aliança dos poderes para que haja garantia da segurança alimentar. Há algumas iniciativas em alguns territórios Xavante, a produção de alimentos tradicionais e plantação de pomar com alguns parceiros. Mas, é necessário ação do estado e das três esferas [municipal, estadual e federal] para que não tenhamos uma situação similar dos Yanomami”, afirma.
Para a presidente, as mortes entre os Xavantes por causas evitáveis são ocasionadas por inúmeros fatores e somente ações conjuntas podem resolver a situação.
“Tem solução, mas é preciso vontade política de fato e investimento, pois segurança alimentar é bem viver, é saúde”, diz.
O Ministério da Saúde informou que, por meio da Secretaria de Saúde Indígena (Sesai), está atuando para reduzir os óbitos infantis por causas evitáveis em todos os 34 Dsei do país, incluindo o Dsei Xavante. Entre as ações destacam-se:
O Ministério ainda informou que para o povo Xavante, também foram realizadas quatro oficinas de Atenção Integrada às Doenças Prevalentes na Infância (AIDPI) comunitário nos polos base.
“Essas oficinas, em parceria com a UNICEF e articuladas pelo DAPSI/SESAI/MS, visaram qualificar profissionais de saúde e a atenção intercultural ao pré-natal, parto, nascimento, puerpério e período neonatal, envolvendo Agentes Indígenas de Saúde (AIS), Agentes Indígenas de Saneamento (AISAN) e parteiras indígenas”.
Além disso, que entre 16 e 20 de junho de 2024, no Polo Base São Marcos, em Mato Grosso, foram realizadas ações de atenção à saúde em parceria com o Instituto Saúde Sustentável ( ISA), DSEI Xavante, prefeitura de Barra do Garças, a 516 km de Cuiabá, entre outros parceiros, focando na qualificação dos serviços voltados à saúde infantil.
As atividades foram acompanhadas pelo Comitê de Redução da Mortalidade na Infância Indígena da Sesai.
A reportagem também entrou em contato com Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), mas não obteve retorno até a publicação desta matéria.
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