Terras indígenas da Amazônia influenciam as chuvas que abastecem 80% das áreas ocupadas hoje pelas atividades agropecuárias no país
Mato Grosso está entre os estados brasileiros que recebem as maiores contribuições pela reciclagem de umidade e, portanto, pela geração de chuvas, por terras indígenas (Tis) da Amazônia.
A constatação é de um estudo inédito intitulado “Manutenção das Terras Indígenas é fundamental para a segurança hídrica e alimentar em grande parte do Brasil”, realizado por um grupo de pesquisadores em ecologia tropical do Instituto Serrapilheira.
A pesquisa, conduzida por 10 cientistas e endossado por alguns dos maiores especialistas no tema país, foi realizada a partir do cruzamento e análise de diversos dados, como os do MapBiomas, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).
Pela primeira vez, o grupo aferiu a quantidade chuvas que vem das TIs localizadas na porção amazônica, que protegida produz vapor d’água e vira chuvas em todo o território nacional e, em várias partes dos continentes.
A partir dos cálculos do fluxo de umidade, constatou-se que a preservação dos territórios indígenas da Amazônia é essencial para a agropecuária brasileira.
“As terras indígenas da Amazônia influenciam as chuvas que abastecem 80% da área das atividades agropecuárias no país. Isso acontece por meio dos chamados “rios voadores”: a umidade reciclada nas florestas das terras indígenas amazônicas é transportada pela atmosfera e se torna chuva em outras regiões do Brasil”, apontam os pesquisadores em nota técnica.
Conforme o levantamento, “a influência dessas chuvas na economia é significativa, sendo que, em 2021, a renda econômica do setor agrícola nas áreas mais beneficiadas por essa dinâmica chegou a R$ 338 bilhões ou 57% do total nacional”.
Dentre os estados mais influenciados pela contribuição relativa da reciclagem de umidade, Mato Grosso ocupa a 9ª posição, com 9,1% de chuva média anual fornecida pela reciclagem de água pelas florestas em áreas indígenas amazônicas.
Em primeiro lugar está o Paraná, com 24,6%, seguido do Acre (24,4%) e de Mato Grosso do Sul (21,5%). Na lista, aparecem ainda o Rio Grande do Sul (18,4%); Santa Catarina (16,5%); São Paulo (16,3%); Rondônia (11,1%) e, o Amazonas (9,2%).
“Sem chuva, basicamente, a produtividade agrícola cai muito e os custos sobem muito, por exemplo, com irrigação. Podemos ter uma redução de 40% a 50% na precipitação no Brasil Central, onde está a produtividade da soja e da carne e das áreas de pastagens, sem a preservação dessas áreas indígenas”, disse o físico Paulo Artaxo, coordenador de Pesquisa do Centro de Estudos da Amazônia Sustentável da USP, em entrevista ao Jornal Hoje, da Rede Globo.
Ainda na nota, os pesquisadores lembram que a participação da agricultura familiar no valor da produção total supera os 50% em vários estados influenciados, o que significa dizer que a precipitação proveniente desses territórios contribui diretamente para a segurança alimentar nacional.
Contudo, “estados como Rondônia e Mato Grosso figuram entre os nove estados mais influenciados por essa chuva, ao mesmo tempo que estão entre os estados que mais desmataram florestas desde 1985 (34 e 32% de perda, respectivamente; MapBiomas, 2024), uma clara contradição que destaca a urgência da conservação de florestas, em especial em TIs, para a manutenção de seus serviços ambientais”.
Além de Paulo Artaxo, a nota técnica é endossada pelo o climatólogo Carlos Nobre, a antropóloga Manuela Carneiro da Cunha (ambos da USP), o economista Ronaldo Seroa da Motta (Uerj) e a bióloga Mercedes Bustamante (UnB).