As mudanças climáticas e a taxação de grandes fortunas serão os principais temas tratados na 3ª reunião de ministros de Finanças e presidentes de Bancos Centrais do G20 — grupo formado pelas 19 maiores economias do mundo mais a União Africana e a União Europeia. O encontro, que acontece ao longo de toda a semana no Rio de Janeiro, será marcado pela apresentação do relatório da proposta de taxação dos “super-ricos”.
Um dos objetivos do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, é conseguir o máximo de apoio possível à proposta de criação de um imposto global sobre a riqueza dos bilionários, inclusive dos Estados Unidos. Estimativas apontam que a implementação de um imposto mínimo de 2% da riqueza dos bilionários do mundo arrecadaria entre US$ 200 e US$ 250 bilhões anualmente. A projeção consta do documento encomendado pelo Brasil ao economista francês Gabriel Zucman.
O pesquisador, que é professor da Escola de Economia de Paris e da Universidade de Berkeley, além de ser fundador do UE Tax Observatory, deve expor uma proposta com projeções mais claras sobre a taxação dos super-ricos. O estudo apresenta que o modelo de tributação progressiva atingiria cerca de 3 mil pessoas inicialmente. São indivíduos com mais de US$ 1 bilhão de riqueza, distribuídos em ativos, imóveis, ações, participação na propriedade de empresas, entre outros, e que ainda não pagam pelo menos 2% de imposto de renda anual. “Apenas indivíduos com patrimônio líquido ultraelevado e pagamentos de impostos particularmente baixos seriam afetados”, afirma o texto.
De acordo com o documento, não se trata de um imposto sobre riqueza, mas sim de uma forma de taxar a renda dos ultra ricos, que por variados motivos acabam pagando proporcionalmente menos ou nada. Ou seja, seria uma maneira de tentar corrigir a regressividade do imposto sobre renda no topo da pirâmide. O economista destaca ainda que também não se está falando de um imposto global, mas de um padrão único que poderá ser aplicado de forma independente por cada país ou bloco econômico.
A proposta ganhou aliados importantes, como a França, Espanha e África do Sul, que declararam apoio à tributação. Interlocutores próximos a Haddad afirmaram que existe a expectativa de que seja conquistado agora o apoio do Reino Unido, como o novo primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, eleito no início de julho, é do Partido Trabalhista. Em maio deste ano, a secretária do Tesouro dos Estados Unidos, Janet Yellen, se posicionou contra a ideia. A presidência brasileira do fórum econômico quer alcançar o apoio americano para a tributação.
Em carta aberta enviada aos EUA no início do mês, coordenada pelo Club de Madrid e pela Oxfam, ex-chefes de Estado e de governo do G20 pediram que os atuais líderes do grupo apoiem a proposta do Brasil para um novo acordo global para tributar os super-ricos do mundo. Entre os 19 signatários da carta estão a ex-presidente do Chile, Michelle Bachelet, o ex-primeiro-ministro da Suécia Stefan Löfven, a ex-primeira-ministra da Austrália Julia Gillard, o ex-primeiro-ministro da França, Dominique de Villepin, e o ex-presidente da Espanha, José Luis Rodríguez Zapatero. De acordo com o documento, garantir que os super-ricos paguem sua parcela justa “reduziria a desigualdade e arrecada trilhões de dólares necessários para investimentos em política industrial e uma transição justa”.
A carta diz que “a proposta do Brasil no G20 destaca a oportunidade de escrever uma nova história sobre tributação pela primeira vez em uma geração”, num momento em que “os bilionários, globalmente, pagam uma alíquota de imposto equivalente a menos de 0,5% de sua riqueza”. A diretora-executiva da Oxfam Brasil, Viviana Santiago, ressalta a relevância e urgência desta taxação. “A iniciativa de taxar os super-ricos é fundamental para a construção de um sistema mais justo e equitativo. Essa medida não só ajuda a combater a evasão fiscal, mas também possibilita que os recursos gerados sejam investidos em políticas públicas que beneficiem as pessoas mais vulneráveis, especialmente em tempos de crise climática e econômica”, afirma. Falando especificamente do Brasil, Santiago afirmou que a proposta de Zucman é “um avanço necessário para enfrentar as desigualdades extremas que vemos em nosso país, onde a concentração de riqueza perpetua injustiças históricas e impede milhões, especialmente mulheres negras e periféricas, de terem acesso a uma vida digna e oportunidades iguais”.
A matriz da proposta brasileira de tributação progressiva destaca como desafios de implementação algumas questões, como determinar o valor da riqueza dos indivíduos. Para Felipe Vasconcellos, sócio da Equus Capital, da teoria à prática os obstáculos são muitos. “Países que implementaram regras nessa linha experimentaram fugas de capital desse perfil de investidor. Entretanto, se houvesse um acordo internacional, a questão poderia ser diferente. Mas, na prática, existe uma possibilidade remota disto acontecer”, avalia. “Imagine que diversos países, com situações econômicas e políticas distintas, teriam um único ponto de convergência. Se uma única nação visse isso como oportunidade, ou seja, criar o seu paraíso fiscal para quem quisesse fugir da regra, todo o acordo já cairia por água abaixo. Existe um abismo enorme entre o discurso e a prática”, acrescenta Vasconcellos.
Já para o economista e CEO da Multiplike Volnei Eyng, a situação é realmente difícil de ser concretizada. “Vamos fazer uma análise do Brasil. Dentro de um país presidencialista, em que o Congresso Nacional e o Poder Executivo detém grande parte do poder, até hoje existe um problema sério relacionado ao ICMS diferente entre os estados, que acaba ocorrendo uma guerra fiscal para a atração de empresas e escolha de portos para importação e exportação”, afirma. O mesmo problema, segundo ele, acontece com o ISS (Imposto Sobre Serviços) entre os municípios. “Se dentro de uma mesma nação temos diversos problemas e nem sequer conseguimos universalizar algumas questões, imagine a nível global. Acredito ser praticamente impossível todos os países adotarem uma regra única para os super-ricos. Não existe interesse financeiro de algumas nacionalidades para isso”, ressalta.
Está marcado para quarta-feira, dia 24, o pré-lançamento da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza. A iniciativa, proposta pela presidência brasileira do G20, estabelece um pacto internacional para a implementação de políticas públicas com eficácia comprovada e tecnologias sociais eficazes para a erradicação da fome e da pobreza no mundo. O acordo também visa a integração social e econômica dos mais pobres e de pequenos produtores, de modo a incluí -los no mercado nacional e global da produção de alimentos. A solenidade acontece na sede nacional da Ação da Cidadania, organização não governamental (ONG) voltada para o combate à insegurança alimentar.
O evento contará com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, os ministros brasileiros das Relações Exteriores, Mauro Vieira; Wellington Dias, do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome; da Fazenda, Fernando Haddad; e ministros dos países do G20. O programa contará com uma cesta de propostas e será aberto para a adesão de qualquer país. Na reunião, os ministros do grupo dos 20 irão aprovar os textos dos documentos constitutivos da Aliança, a partir disso, a iniciativa estará aberta a adesões.
A expectativa é de que o pacto seja definitivamente lançado em novembro, na capital fluminense, durante a Cúpula de Líderes do G20. Encontros bilaterais O chefe da equipe econômica tem uma agenda repleta de encontros bilaterais. Na tarde de quarta, Haddad tem reunião marcada com a secretária do Tesouro dos Estados Unidos, Janet Yellen, à margem do encontro de ministros. Existe a expectativa de que haja um pronunciamento conjunto dos dois depois do encontro. Na quinta-feira, o ministro Fernando Haddad terá reuniões bilaterais com as ministras da Indonésia, Sri Mulyanni, e do Reino Unido, Rachel Reeves. Ele também tem conversa marcada com o secretário-geral da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Mathias Cormann. Além disso, presidirá um debate sobre a economia internacional, ao lado do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.
Na sexta-feira, último dia do evento, o financiamento para projetos voltados à mitigação dos efeitos do aquecimento global no planeta será um dos principais temas tratados. Outro assunto que ganhará força será a reforma dos organismos multilaterais de crédito, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial. No final da tarde o ministro falará com a imprensa para fazer um balanço do encontro e em seguida embarca para São Paulo.
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