Estudo mostrou também que as famílias possuem renda média de R$ 227.
Um relatório apontou que mães solos, desempregados e abandonados pela família fazem parte do grupo de pessoas retiradas do residencial Brasil 21, uma área no Contorno Leste, em Cuiabá. Mais de 400 famílias foram despejadas do local após uma decisão judicial de reintegração de posse, em março deste ano. O estudo foi feito pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) a pedido da Defensoria Pública.
A pesquisa também mostrou que as famílias possuem renda média de R$ 227 e que a maior parte dos responsáveis pelos domicílios são mulheres que tiveram que sair de casa após se separarem dos maridos e que, supostamente, as residências pertenciam à eles.
O Contorno Leste é uma região localizada entre os bairros Dr. Fábio e Osmar Cabral, e já foi palco de diversos conflitos de terra e ações policiais. A área vem sendo visada depois que a Prefeitura de Cuiabá anunciou a construção de uma rodovia no Distrito Industrial, atravessando 50 bairros e culminando na MT-251.
De acordo com o estudo, em outubro de 2022, um grupo de aproximadamente dez pessoas que enfrentavam dificuldades em arcar com os custos na capital decidiu ocupar a área. A ocupação era composta por 900 lotes e chegou a abrigar 725 famílias.
Após ocuparem a área e iniciarem a construção das casas, as famílias tomaram conhecimento de que o suposto proprietário do terreno, protocolou na Justiça uma ação de reintegração de posse. A comunidade alegou não ter sido intimada.
A judicialização do processo de despejo ocorreu após a empresa que é dona da área entrar com pedido de recuperação judicial, em fevereiro do ano passado. De acordo com a Defensoria Pública, a empresa possui uma dívida de R$ 25,8 mil referente ao não pagamento do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) sobre o terreno ocupado. Além disso, a empresa acumula um total de R$ 36 milhões, de dívidas à órgãos públicos, empresas e pessoas físicas.
Neste ano, mais 600 casas foram demolidas após uma ordem judicial e as famílias foram retiradas do local e levadas para um abrigo provisório, no Centro Comunitário do Bairro Jardim Fortaleza, na capital.
Após a desocupação, alunos e professores da UFMT fizeram um estudo sobre as condições de vida das 417 famílias e o perfil das pessoas que ocuparam o Contorno Leste.
Mulheres responsáveis pelos domicílios
Ao todo, foram entrevistadas 1.148 pessoas, sendo 597 mulheres e 546 homens. Outras cinco pessoas não informaram o gênero. Das 417 famílias, 121 possuem três membros e 105, possuem dois. Há ainda 135 mães solo, o que corresponde a 32,4% das famílias entrevistadas.
O estudo mostrou que a maior parte das responsáveis pelos domicílios são mulheres, com 61,87% das famílias. Confira abaixo o perfil dessas mulheres:
- 158 mulheres têm entre 30 e 59 anos e 88 têm entre 18 e 29 anos;
- 106 possuem ensino médio completo e 59 possuem ensino fundamental incompleto
- 70 mulheres possuem doenças crônicas, como diabetes, hipertensão, asma, câncer entre outras
Por outro lado, 152 homens são responsáveis pelos domicílios. A maior parte se declarou adulto entre 30 e 59 anos e, em seguida, jovem entre 18 e 29 anos, com 24% dos homens. Em relação ao grau de escolaridade, 31% dos homens possuem ensino médio completo e 30,3% possuem ensino fundamental incompleto.
Condições de moradia no terreno
De acordo com o relatório, as famílias ocuparam o terreno por diversos motivos, como a separação do cônjuge e a morte de familiares. Relatos de separação de famílias envolvem mulheres que tiveram que sair de casa porque supostamente as residências pertenciam aos ex-companheiros, e se mudaram trazendo os filhos para a ocupação.
Há, dentre as famílias, situações de abandono, desde mulheres abandonadas pelos ex-companheiros porque estavam doentes, à jovem abandonadas pela família após tentativa de estupro pelo padrasto.
A Defensoria citou um desses relatos: “a trajetória da família é triste. Morava no serviço, não teve presença dos pais. Foi expulsa de casa pela mãe devido ao padrasto querer abusar dela. Foi casada, o marido faleceu e a família dele tomou a casa. No Brasil 21, construiu com doações”
Dos entrevistados, a maioria residia com as famílias em lotes de 200 m² e disseram morar no local entre 7 à 12 meses. Outras 144 pessoas relataram morar no terreno entre 13 a 18 meses. Sobre as condições das moradias:
- Não possuía banheiro – 72 (17,2%)
- Não possuía acesso a rede de abastecimento de água – 21 (5,0%)
- Possuía acesso a rede de forma irregular por meio de ligação própria – 314 (75,3%)
- Não tem acesso a energia elétrica – 23 (5,5%)
- Não têm acesso a rede de esgoto – 104 (24,9%)
- Fazia uso de fossa doméstica – 254 (60,9%)
Antes de se mudarem para o Contorno Leste, a maior parte das famílias entrevistadas disseram que estavam vivendo em casas alugadas que tinham entre 3 e 20 pessoas dentro de uma mesma residência. Em segundo lugar, as pessoas responderam que estavam vivendo em casas cedidas, além de ter pessoas em situação de rua.
Brasileiros e imigrantes dividindo o mesmo espaço
Dos 1.148 entrevistados, 72% são brasileiros e os imigrantes se originam da Venezuela, com 26,38%, seguido pela Colômbia, com 0,48% e o, Haiti, com 0,48%. Veja abaixo o perfil:
Idade
- Menos de 1 ano – 29 (2,5%)
- Tem entre 1 e 11 anos – 311 (27,1%)
- Adolescentes entre 12 e 17 anos – 134 (11,7%)
- Jovens entre 18 e 29 anos – 228 (19,9%)
- Adultos entre 30 e 59 anos – 386 (33,6%)
- Idosos com 60 anos ou mais – 37 (3,2%)
- Não informaram – 23 (2%)
Grau de escolaridade
- Educação infantil – 77 (6,7%)
- Ensino fundamental incompleto – 405 (35,3%)
- Ensino fundamental completo – 38 (3,3%)
- Ensino médio incompleto – 210 (18,3%)
- Ensino médio completo – 244 (21,3%)
- Ensino superior incompleto – 18 (1,6%)
- Ensino superior completo – 24 (2,15%)
- Pós-graduação – 2 (0,2%)
- Analfabetos – 13 (1,1%)
- Não informaram – 36 (ou 3,1%)
Ocupação
- Trabalham – 200 (47,9%)
- Desempregados – 184 (44,1%)
- Aposentados ou pensionistas – 19 (4,5%)
- Recebem o Benefício de Prestação Continuada (BPC) – 11 (2,6%)
- Não informaram – 11 (2,6%)
Dentre essas 200 pessoas que estão trabalhando, 120 estão no mercado informal e 69 (16,5%) no mercado de trabalho formal. Em relação às profissões, o estudo identificou duas grandes áreas em que as pessoas estão trabalhando: serviços gerais/limpeza doméstica e predial, e construção civil.
Renda
- Não possuem – 63 (15,1%)
- Até meio salário mínimo, que corresponde a até R$706 – 69 (16,5%)
- Mais de meio salário mínimo até 1 salário mínimo, que corresponde a até R$ 1.412 – 148 ( 35,4%)
- Mais de 1 salário mínimo até 1 salário mínimo e meio, que corresponde a até R$ 2.118 – 68 (16,3%)
- Mais de um salário mínimo e meio a dois salários mínimos, que corresponde a até R$ 2.824 – 10 (2,3%)
- Mais de dois salários mínimos, que corresponde a até R$ 4.236 – 09 (2,1%)
- Não informaram – 50 (11,9%)
Despesas que mais consomem a renda familiar
- Alimentação – 391 pessoas (93,7%)
- Água – 194 (46,5%)
- Energia elétrica – 181 (43,4%)
- Gás – 172 (41,2%)
- Medicação – 169 (40,5%)
- Aluguel – 145 ( 34,5%)
- Transporte – 112 (41,2%)
- Outro – 37 (8,8%)
O estudo também mostrou que 208 famílias não estão cadastradas em programas sociais. Outras 204 estão. A maior parte recebe benefício do Programa Bolsa Família. Além disso, a maioria também não recebe cestas básicas.
Em relação ao acesso a saúde, 271 famílias têm acesso e outras 141, não têm. Sobre educação, 253 famílias disseram ter acesso às escolas públicas e outras 155 não possuem. De acordo com o relatório, em muitas das situações em que foi informado não ter acesso, tratam-se de famílias que não possuem pessoas em idade escolar ou que abandonaram os estudos por motivos diversos.
Apesar das dificuldades, a comunidade desenvolvia diversas atividades, como rodas de conversa com a participação de aproximadamente 64 mulheres, cursos de capacitação e atividades esportivas, incluindo aulas de karatê. Além disso, foi criada uma horta comunitária e os moradores também compartilhavam uma cozinha solidária com a ocupação vizinha, fornecendo assistência às famílias que estavam iniciando a construção das casas.
Conflitos
Em junho de 2023 foi realizada uma ação de reintegração de posse no Contorno Leste. Pessoas que estavam no local gravaram a ação. Em um dos vídeos é possível ver a presença da Polícia Militar e de moradores reunidos, que estão revoltados e protestam contra o ato.
Em outra gravação, um maquinário pesado está derrubando cercas de arames, que servem para delimitar as terras.
Em setembro do mesmo ano, uma decisão judicial determinou o fechamento de poços artesianos na região. Moradores do assentamento ficaram feridos após policiais militares atirarem com balas de borracha. De acordo com testemunhas, os policiais foram até o local para dar suporte para um trator que tamparia o poço.
O deputado Wilson Santos (PDT) ficou ferido após ser atingido por um tiro de bala de borracha durante a retirada das famílias da área. O parlamentar estava no local junto ao deputado Waldir Barranco (PT) para tentar um acordo entre os moradores, estado e proprietário da área, e evitar o conflito.