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Mãe foge do Uruguai para MT com filhos após ser agredida pelo marido e é investigada por sequestro internacional de crianças | Mato Grosso

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Uma mãe brasileira, engenheira agrônoma, moradora de um município do interior de Mato Grosso, fugiu com os dois filhos, de 9 e 11 anos, após supostamente ser agredida fisicamente e psicologicamente pelo marido estrangeiro, no Uruguai. O pai não teria autorizado a moradia dos menores no Brasil e registrou uma queixa na União contra a mulher por sequestro internacional de crianças. Por meio da Convenção de Haia, a determinação é de que os filhos sejam devolvidos ao país de origem. (entenda o que diz a lei mais abaixo)

Como o processo corre sob sigilo na Justiça, nenhuma das partes será identificada nesta reportagem, a fim de preservar a privacidade e a integridade dos envolvidos no caso.

Ao g1, a Advocacia-Geral da União (AGU) informou que quando uma criança é tirada de um país sem o consentimento de ambos os pais, a prática é considerada ilegal. Segundo a AGU, a existência de violência doméstica ou sexual pode configurar exceção à regra e impedir o retorno do menor.

“Cabe à Justiça analisar todo o contexto da violência, levando em conta o impacto da situação na criança, assim como a disponibilidade, adequação e eficácia das medidas existentes no país de residência habitual para proteger as vítimas de violência doméstica”, explica.

g1 procurou a Embaixada do Uruguai para questionar como o país age diante dessas situações, mas não obteve retorno até a última atualização desta reportagem. Pela lei do Uruguai, em casos de violência doméstica, o estado é obrigado a tomar medidas contra o agressor, como prevenir, punir e erradicar o ato. O país também deve ser o responsável pelo apoio e segurança das vítimas, sejam elas mulheres, crianças ou pessoas em situação de vulnerabilidade.

A reportagem também tenta contato com o pai das crianças.

Segundo a mãe, o ex-marido, com quem viveu por mais de 10 anos, é um médico influente no Uruguai e, por isso, aproveitou da força física e do poder social para praticar as agressões contra ela e as crianças. A vítima contou que foram anos de violência doméstica até tomar a decisão de fugir de casa e se mudar para o Brasil, onde a família dela mora.

“Minha vida corria risco, sofri todos os tipos de violência extrema. Fui ameaçada de morte, sofri maus-tratos, violência física, financeira e patrimonial. Foi um pesadelo, um filme de terror. Ele também batia [nas crianças]. Teve uma vez que colocou um revólver na minha cabeça e me ameaçou na frente das crianças”, relatou.

Para a mãe, a situação é gravíssima e ocasionou traumas irreversíveis nos filhos, que ainda temem com a lembrança agressiva do pai, segundo ela.

“Teve um episódio, em específico, que ele pegou as crianças, desapareceu e me ligou falando que ia se matar e que mataria [meus filhos], caso eu não voltasse com ele. Depois de tudo isso, saber que talvez eu tenha que levá-los de volta é assustador. Cadê a proteção do nosso país?”, argumentou.

 

Como as agressões ficaram frequentes e mais violentas, a engenheira registrou oito boletins de ocorrência contra o ex-marido e conseguiu uma medida protetiva.

“Dentro do Uruguai a juíza mandou ordens de restrição e colocou policiais 24 horas na porta da minha casa, mas ele continuou me agredindo. Ele me ligava para me xingar e ameaçar. Se eu não lutasse pela minha vida, hoje eu estaria morta”, contou.

 

⚖️ Entenda a lei

 

Mãe espera por decisão favorável — Foto: Divulgação

Convenção de Haia

⚡ A Convenção de Haia – em que se baseia o processo da União contra a mãe – prevê que a Justiça pode ouvir a criança se avaliar que ela já atingiu idade e maturidade para que a sua opinião e vontade sejam analisadas. No entanto, para a mãe, a vulnerabilidade dos filhos e os riscos não são levados em consideração pela Justiça.

De acordo com a Defensoria Pública da União (DPU), a Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças, concluída na cidade de Haia (Holanda), em 1980, foi criada com o objetivo de permitir a cooperação entre países para combater o sequestro internacional de crianças e procurar retornar o menor ao local de sua residência habitual, onde todas as questões envolvendo a guarda ou direito de visita devem ser decididas.

sequestro ou subtração internacional de crianças ocorre quando um menor de 16 anos é levado a outro país por um dos pais ou responsável pela guarda, desrespeitando os direitos de guarda do outro genitor.

A advogada e presidente da Comissão de Direito Internacional da OAB-MT, Têmis Fagundes, explicou que, por envolver violência doméstica praticada em desfavor da mãe das crianças e a consequente situação de vulnerabilidade, o Brasil pode se recusar a ordenar o retorno, nos termos do artigo 13 da Convenção, se for provado que existe um risco grave às crianças.

De acordo com o advogado e professor da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Valério de Oliveira Mazzuoli, em casos de agressão e trauma psicológico, é de extrema importância que a criança seja submetida a um laudo psiquiátrico que comprove, documentalmente, o diagnóstico.

“Quando a criança apresenta graves problemas psicológicos, que já tenham sido testados e comprovados por profissionais da área da psicologia, é necessário que a criança passe por um [teste] psíquico e receba acompanhamento de um profissional habilitado em infanto-juvenil, além de ter um perito criminal concursado do estado e da União para acompanhar o caso, para que, durante o processo, seja decidido se essa criança tem ou não condições de retornar ao seu país”, explicou.

Como o tratado interfere

 

De acordo com o Ministério da Justiça e Segurança Pública, a prática de sequestro é configurada quando uma criança é deslocada de forma ilegal para um país diferente do qual ela nasceu e reside, sem a autorização de ambos os responsáveis pelo menor de idade.

O sequestro é feito, em regra, por um dos pais ou familiares, com violação do direito de guarda do outro, conforme a lei do país em que a criança ou adolescente residia imediatamente antes de sua transferência para outra região.

Segundo a defensora pública federal, Daniela Jacques Brauner, na época da criação do tratado não foi feito um recorte de gênero, já que a maioria dos casos envolvia situações em que o pai era responsável por retirar a criança de forma ilegal do país.

“O que observamos nos últimos tempos são situações em que as mulheres acabam saindo do Brasil em busca de relacionamentos no exterior e são nessas relações que elas acabam ficando em situação de grande vulnerabilidade, quer seja por uma situação de machismo, violência de gênero ou até mesmo uma situação migratória”, ressaltou.

Daniela explicou que, em muitos casos, a mulher não consegue ou sente que não pode sair do contexto de violência doméstica, o que resulta na exposição das crianças a uma situação inaceitável. Mesmo que os menores não sejam agredidos diretamente, essa situação os coloca em uma posição de vulnerabilidade emocional, já que o reflexo das agressões afeta todo o ambiente familiar.

“A análise da violência doméstica deve ser feita levando em conta o retorno da criança em um contexto excepcional. Assim, nós [Defensoria Pública da União] temos defendido essa interpretação, que considera a violência vivenciada nesse ambiente, uma vez que a presença da criança é uma comprovação dessa realidade de violência doméstica”, pontuou.

 

Sequestro ou proteção?

 

Levantamento aponta que 98% dos acusados de sequestro são mães; maioria fugiu com filhos após violência

Um levantamento da organização internacional Revibra, que acolhe brasileiras migrantes na Europa, mostrou que quase 9 em cada 10 mulheres processadas por sequestro internacional dos filhos com base na Convenção de Haia foram vítimas de violência doméstica.

Conforme dados do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos e do Ministério das Relações Exteriores (MRE), o Brasil possui mais de 370 casos envolvendo disputa internacional pela guarda de filhos de brasileiros com estrangeiros ou de brasileiros separados que vivem no exterior.

O Coletivo “Mães de Haia”, formado por mulheres que perderam a guarda dos filhos após decisões com base no tratado, pede a modernização da convenção e que seja levada em conta como fator de risco para a criança a violência doméstica praticada pelo pai.

Projeto no Senado

 

Governadora em exercício, Celina Leão (PP), em coletiva à imprensa, no DF — Foto: TV Globo/Reprodução

Um projeto da deputada Celina Leão (PP-DF), em tramitação no Senado, quer evitar que mães brasileiras que sofrem violência em país estrangeiro sejam acusadas de sequestro internacional de crianças ao procurar refúgio no Brasil. O objetivo é evitar que a Convenção de Haia seja interpretada de forma desfavorável às brasileiras.

“E a Advocacia-Geral da União, seguindo à risca a Convenção, devolve a criança ao pai agressor, pois não foi prevista, no texto da convenção, a hipótese da violência doméstica como exceção ao enquadramento da situação de sequestro internacional”, aponta Celina.

A ideia da deputada é evitar esse tipo de interpretação da convenção.

*Sob supervisão de Kessillen Lopes

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O Noroeste

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