Os Poderes da República deixaram de lado eventuais diferenças para se unirem contra o maior desastre climático da história do Rio Grande do Sul. A comitiva liderada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que se reuniu, ontem, em Porto Alegre, com representantes do governo gaúcho, deixou claro que a resposta do governo central contra a crise será robusta.
Uma das saídas, a ser construída pelos Três Poderes, seria a criação de uma espécie de “orçamento de guerra”, nos mesmos moldes daquele que foi elaborado durante a pandemia de covid-19. Para tanto, a partir de hoje se realizam uma série de encontros e reuniões com o objetivo de viabilizar projetos e iniciativas que possam ser aplicadas rapidamente e amenizem a dificuldade econômica e de infraestrutura do Rio Grande do Sul.
Lula levou os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas, o vice-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Edson Fachin — além de mais 15 ministros do governo — para verem de perto a situação. Depois de sobrevoar a região alagada do entorno de Porto Alegre, Lula e a comitiva se reuniram com o governador Eduardo Leite (PSDB) e o prefeito da capital, Sebastião Melo (MDB), para tratar das ações necessárias para o resgate das populações que seguem isoladas.
“Não haverá impedimento da burocracia para que a gente recupere a grandiosidade desse estado. Às vezes a gente dá dinheiro e as obras não acontecem. Por isso, é preciso termos uma combinação perfeita entre o governo federal, o Poder Legislativo, o Tribunal de Contas e o Ministério Público porque cada centavo que for colocado para combater isso (as cheias), não pode ser desviado. Tem que ser colocado naquilo a que se destina”, advertiu Lula.
Para destravar o “orçamento de guerra”, Lira anunciou que reunirá, hoje pela manhã, o Colégio de Líderes para tratar da preparação da autorização de recursos extraordinários para atendimento aos gaúchos.
“Nossa responsabilidade será de perseverança, de discussão e de rumo para que a gente elabore uma medida totalmente extraordinária. Esta semana será de muita negociação e de muito trabalho no Congresso. A resposta será dura, firme e efetiva, como na pandemia”, garantiu Lira.
Pacheco, por sua vez, destacou que a crise não é só do Rio Grande do Sul, mas de todo o Brasil. Segundo ele, será preciso retirar do caminho as burocracias, travas e limitações para que nada falte ao Rio Grande do Sul. “Há uma exigência de medidas rápidas e urgentes, no sentido de união e de reconstrução. Fizemos isso na pandemia com a proposta de emenda à Constituição que apelidamos de ‘PEC de Guerra’. Essas respostas se exigem neste”, pontuou.
Fachin — que representou o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, que está em viagem ao exterior — salientou que a PEC garantirá ao Judiciário mais rapidez às respostas legais para garantir as ações emergenciais.
“O Parlamento fará um regime emergencial, como o feito durante a pandemia, já que a emergência, aqui, exige um igual tratamento rápido, o que garantirá uma flexibilização das atividades de fiscalização. Quando houver alguma dúvida, o Poder Judiciário poderá, por meio dessa autorização legislativa, fazer com que esses recursos sejam aplicados”, apontou o ministro.
Na mesma linha, Bruno Dantas salientou que o TCU deve flexibilizar as exigências de fiscalização durante a emergência climática. Ele lembrou que esteve na coordenação do grupo de trabalho que elaborou a PEC do Orçamento de Guerra, na pandemia.
“Somos uma instituição que sempre teve todo o zelo em fiscalizar, mas, também, sempre teve toda a sensibilidade quando foi necessário flexibilizar. Tudo que chegar ao nosso tribunal será tratado com o máximo de prioridade. Reconheço que, em momentos normais, é necessário que a burocracia seja aplicada; mas em momentos excepcionais, é necessário que tenhamos sensibilidade”, salientou Dantas.
O governador Eduardo Leite voltou a enfatizar que o Rio Grande do Sul precisará de um Plano Marshall para enfrentar a reconstrução. Ele lembrou que a atual dívida com a União, e o formato de pagamento das parcelas ao Tesouro Nacional, inviabilizam qualquer resposta do governo gaúcho.
“Vivemos um cenário de guerra no estado, então vamos precisar de um tratamento pós-guerra. O Rio Grande do Sul vai precisar de um Plano Marshall, de medidas absolutamente extraordinárias. O grave problema que a gente tem, de dívidas contraídas ao longo do tempo, já nos dificulta a ação nos tempos de normalidade. Nessa excepcionalidade, não vamos ter fôlego para responder, se não encontrarmos determinadas soluções”, alertou o governador.
Na quinta-feira passada, a ministra do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, Marina Silva, antecipara a necessidade da adoção de um orçamento extraordinário — de modelo semelhante ao adotado na pandemia, para tratar os efeitos das alterações no clima. Já o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, recebeu de Lula a determinação de construir alternativas para a dívida do Rio Grande do Sul e de fontes de recursos para a reconstrução do estado.
Os países da Europa ocidental aliados dos Estados Unidos na II Guerra Mundial tiveram ajuda do Programa de Recuperação Europeia (conhecido como Plano Marshall, idealizado pelo general norte-americano George C. Marshall) para se reconstruírem. Com a infraestrutura e a economia devastadas, as nações receberam uma injeção de recursos financeiros dos EUA em torno de US$ 14 bilhões — equivalente a aproximadamente US$ 120 bilhões ajustados pela inflação. O plano vigorou entre entre 1947 e 1951 e fortaleceu a cooperação entre os países europeus, tornando-se o embrião da Comunidade de Países Europeus — que, posteriormente, serviu de base à criação da União Europeia (UE).
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