Três indígenas Kalapalo bloquearam a passagem de brigadistas que realizavam uma atividade de queima prescrita na Aldeia Barranco Queimado, no Território Indígena do Xingu, em Gaúcha do Norte, a 595 km de Cuiabá. Em protesto, os indígenas apreenderam um veículo usado pelos brigadistas. A situação ocorreu na última quarta-feira (19). O veículo continuava apreendido até esta quinta (20).
Vídeos gravados no momento da abordagem dos indígenas mostram que o trio estava armado com facão e espingarda quando abordaram os brigadistas, que estavam em veículos. Em nota, o Ibama informou que a equipe de brigadistas fazia atividade de queima prescrita, e que ação foi autorizada pelas lideranças indígenas da região (veja mais abaixo).
Entre os indígenas estava Ysani Kalapalo, influencer que tem quase 1 milhão de seguidores nas redes sociais e ficou conhecida após ir à Assembleia Geral da ONU, em 2019, junto com o ex-presidente Jair Bolsonaro.
A Polícia Federal foi acionada para conter a confusão. A reportagem entrou em contato com a PF, que informou que está acompanhando o caso para assegurar que as atividades de fiscalização ambiental e proteção do território indígena sejam realizadas dentro da legalidade.
Os brigadistas registraram um boletim de ocorrência contra os três indígenas que os abordaram. No documento, o supervisor dos profissionais informou que a equipe era composta por 11 trabalhadores e que, ao terminarem a queima, que estava autorizada pelas lideranças indígenas do Xingu, foram abordados pelo grupo.
Procurada pela reportagem, Yasani Kalapalo alegou que tentou defender a área e conversar com os trabalhadores, que teriam negado o contato.
Ysani, que é irmã do cacique da aldeia Barranco Queimado, disse que ela e outros dois indígenas tentavam apagar uma área com fogo na região, quando encontraram os brigadistas e os chamaram para uma conversa. Segundo ela, o grupo da brigada não parou o carro e teria agido de forma agressiva.
“Por isso apreendemos esse veículo, porque queremos dialogar com o presidente do Ibama. Ele vindo aqui [na aldeia] vamos conversar com ele de uma maneira educada, não vamos agir com truculência. Se a gente agiu daquela maneira, é porque eles queriam passar por cima da gente”, declarou.
Ysani disse ainda que ela e o grupo que atuou no bloqueio são contra a queima prescrita, pois, segundoa ela, animais e plantas mediciais que tinham na região começaram a desaparecer após a chegada dos brigadistas.
O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que é responsável pela brigada, reiterou que a equipe realizava a atividade de queima prescrita, e que viaturas do Instituto foram danificadas e que uma foi apreendida pelo grupo. Ninguém ficou ferido.
“O Ibama solicita a devolução do veículo para que o trabalho de prevenção a grandes incêndios nas áreas indígenas possa continuar”, disse o Ibama em nota.
A queima prescrita é uma ação de manejo tradicional usada para queimar apenas o que está na superfície e evitar grandes incêndios durante a seca.
Nessa técnica, o fogo controlado é monitorado pelos bombeiros e pela Defesa Civil. Segundo o Ibama, antes de incendiar as áreas estratégicas, as equipes realizam um planejamento de análise para saber se as condições de umidade, temperatura e direção do vento são favoráveis para execução da ação.
Queima foi autorizada, diz liderança do Xingu
Nesta quinta-feira (20), o cacique geral do Xingu, Tapi Yawapati Xingu, gravou um vídeo em que diz que as lideranças haviam entrado em consenso para apoiar o trabalho de brigadistas do Ibama, que conta com trabalhadores indígenas. A gravação foi disponibilizada a imprensa pelo Ibama.
“Quero dizer aqui, apoiando os brigadistas, somos a favor sim, do trabalho. Assim a gente vai preservando o meio ambiente, a floresta que a gente tem. Em 2018, eu tirei o chapéu pros meninos que trabalharam durante esses anos, porque eles controlavam a queimada da floresta. Então digo aqui pra todos, apoio os brigadistas trabalhando no Xingu”, disse.
O cacique Kuikumuro Amuneri, da aldeia Aldeia Ipatse, disse que entende a importância da queima prescrita e que os povos da região já entraram em um acordo para apoiar e acompanhar o trabalho dos brigadistas do Ibama. Ele ressaltou ainda que pediu aos trabalhadores que entendam a forma que os indígenas também atuam no combate ao fogo para que trabalhem juntos.
“É muito importante ter queima prescrita na nossa área e a nossa comunidade apoia e entende esse trabalho. A gente sempre fala aos chefes das brigadas e aos não indígenas para entender também a nossa preocupação. Já temos acordo compactuado, existem mapas aqui na região para ver onde vai ser queimado. Estamos unidos e acompanhando o trabalho”, pontuou.
O Parque Indígena do Xingu, onde vivem mais de 6 mil indígenas de 16 povos, fica no estado de Mato Grosso, em uma zona de transição entre os biomas da Amazônia e do Cerrado. A região é próxima ao Pantanal, que enfrenta neste mês de junho uma escalada de incêndios que já supera o registrado no mesmo período de 2020, ano recorde de queimadas em todo o Pantanal.