Tribunal julgou constitucional lei de 1997 que permite a bancos retomarem imóveis, sem necessidade de autorização judicial, em caso de atraso no pagamento de financiamentos com alienação fiduciária
A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que validou a retomada de imóvel de devedores por procedimento extrajudicial afeta 99% dos contratos do setor imobiliário em todo o país, de acordo com dados da Federação Brasileira de Bancos (Febraban). Em julgamento realizado na quinta-feira (26/10), a corte entendeu que não é necessário aval da Justiça para que bancos e outras instituições financeiras retomem casas e apartamentos de quem atrasar a parcelas de financiamentos na modalidade de alienação fiduciária.
Neste tipo de modalidade, o próprio imóvel é colocado como garantia do financiamento e, caso o devedor não ponha as mensalidades em dia, o contrato é encerrado e o bem volta para a instituição de origem. A regra está prevista em uma lei de 1997 e o Supremo começou a julgar o caso ao receber uma ação em que um homem questionava a perda do apartamento de R$ 66 mil financiado pela Caixa Econômica Federal. Ele deixou de pagar as parcelas, fixadas em R$ 687,38 mensais.
Durante o curso da ação no Supremo, a Febraban informou que a modalidade está presente em 7,8 milhões de contratos ativos até agosto deste ano. Pela decisão do STF, o processo de retomada pode ocorrer via cartório, sem necessidade de judicializar o caso. O procedimento é mais simples e pode ser realizado em atrasos superiores a 30 dias. Caso não concorde com a retomada, o cliente pode ingressar com ação na Justiça, mas o entendimento do Supremo restringe as possibilidades de sucesso desse tipo de recurso.
Os defensores da lei alegam que a segurança jurídica proporcionada pelos contratos de alienação fiduciária possibilita o aumento da oferta de crédito e a cobrança de juros mais baixos, tendo em vista que o credor tem a certeza de obter novamente a posse do bem em caso de inadimplência do devedor. Este foi o entendimento do relator da ação, ministro Luiz Fux.
Segurança jurídica
“Ao reduzir o custo e a incerteza da possibilidade de obtenção de garantias imobiliárias, a alienação fiduciária permitiu revolução no mercado imobiliário brasileiro. De 2007 a 2017 o volume de crédito cresceu de forma expressiva, de 2% para 10% do PIB(Produto Interno Bruto). O aumento da demanda por imóveis aumentou o movimento na construção civil, que gerou mais de 1 milhão de vagas de trabalho”, destacou o magistrado.
O voto do ministro Fux foi seguido pelo presidente da corte, Luís Roberto Barroso, e pelos ministros André Mendonça, Kássio Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes, Cristiano Zanin e Dias Toffoli. O ministro Edson Fachin abriu divergência. Para ele, o direito à moradia é fundamental e deve ser garantido mesmo com a existência de dívidas.
Direito à moradia
Fachin entendeu que a execução por meio extrajudicial prejudica a proteção a um direito fundamental. “Esse procedimento, que confere poderes excepcionais a uma das partes do negócio jurídico, restringe de forma desproporcional o âmbito de proteção do direito fundamental à moradia”, argumentou o magistrado. O posicionamento dele foi seguido pela ministra Cármen Lúcia.
Ontem, em evento no Rio de Janeiro, Barroso rebateu críticas de que o Supremo relativizou o respeito ao direito fundamental à moradia, previsto na Constituição. “Há uma lei desde 1997 que permite que o vendedor retome um imóvel financiado se o comprador não pagar. É isso que diz a lei, e é o que o Supremo entendeu ontem. O Supremo não inovou nada, é uma lei do Congresso que está aí desde 1997. Se quem comprou tiver algum fundamento legítimo para evitar a perda dessa posse, pode recorrer ao Poder Judiciário. A retomada do imóvel quando o comprador não paga, até barateia o crédito”, disse Barroso.
Deficit habitacional
O professor Thiago Sorrentino, do Ibmec Brasília, destacou que a decisão traz segurança jurídica e pode reduzir os custos dos financiamentos. “Para o bom funcionamento do mercado, a execução extrajudicial é significantemente melhor, por ser mais eficiente e menos onerosa, o que poderia, em tese, reduzir o custo da remuneração dos mútuos, pela redução dos efeitos da inadimplência”, disse.
No entanto, ele destaca que, ao mesmo tempo, a manutenção da lei pode agravar a situação de endividamento das famílias. “Dada a realidade brasileira, em que a maioria da população está endividada, e o superendividamento é uma realidade consolidada, o quadro pode ser agravado. Somente o aumento da cautela e do rigor na concessão dos mútuos poderia melhorar um pouco a situação”, completou.
Olivar Vitale, advogado, fundador e diretor institucional do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário (Ibradim), afirma que a decisão contribui para reduzir o deficit habitacional. “A decisão é importantíssima e representa segurança jurídica para o mercado imobiliário como um todo, seja para ampliar o acesso à moradia, por meio da concessão de crédito imobiliário para aquisição de imóvel com juros baixos, seja para trazer estabilidade às operações de financiamento, e, consequentemente, para diminuir o deficit habitacional”, completou.