O aumento da produção agrícola em Mato Grosso tem atraído olhares de investidores internacionais. Na última década, o estado maior produtor de soja e milho do país tem vivido uma nova realidade com a chegada da industrialização.
Segundo a União Nacional do Etanol de Milho (UNEM), são 11 usinas de etanol de milho instaladas em solo mato-grossense entre 2015 e 2024, sendo seis full – que usam apenas o cereal para a produção do biocombustível – e cinco flex – que usam milho e cana. São investidores brasileiros e norte-americanos que decidiram ficar mais próximos das lavouras para reduzir o custo logístico.
Cinco indústrias se instalaram em lugares estratégicos e mudaram a paisagem às margens da BR-163, na região Norte do estado. Em uma dessas empresas, com unidades em Lucas do Rio Verde e Sorriso, além de uma terceira planta construída fora desse eixo, em Primavera do Leste, foram gerados mais de mil empregos nos últimos sete anos.
As indústrias fazem brilhar os olhos dos jovens que moram nessas regiões. A Ana Júlia Maravai cursou economia e aproveitou a oportunidade no setor do agro para ingressar no mercado de trabalho. Começou como estagiária e alcançou o cargo de analista comercial da originação do milho em uma dessas usinas, em Lucas do Rio Verde.
“Meus olhos sempre brilharam em relação ao agronegócio. Sempre soube do potencial que teria se eu ficasse no agronegócio. É muito interessante ver as coisas acontecendo desde aqui da originação do milho, produção do etanol, do DDG e chegar lá na fazenda e falar: ‘eu sei como tudo acontece’”, conta.
Energia limpa do campo à cidade
As usinas também agregam valor ao cereal produzido no campo. Para se ter ideia, com uma tonelada de milho é possível produzir 450 litros de etanol, 212 kg de DDG/DDGS – usado para ração animal – e 19 kg de óleo de milho. Para que o motor da indústria funcione é necessário fazer a queima de biomassa. A maior parte vem de florestas de eucalipto plantadas em fazendas do estado. Com 464 kg de biomassa, a usina gera vapor que se transforma em 151 kWh de energia elétrica. O excedente de eletricidade não usado pela usina é distribuído na rede e ajuda a abastecer as cidades.
O etanol também é um forte aliado na redução da emissão de CO2. A diminuição estimada na comparação com a gasolina é de 85%. Outra vantagem é que, para produzir o biocombustível, é utilizado o milho de segunda safra, o que permite que os produtores façam a rotação de culturas nas fazendas.
A demanda e a produção crescem simultaneamente. Por um lado, o produtor observa o interesse da indústria e investe para colher um volume cada vez maior. E do outro, a necessidade por mais alimentos com o crescimento da população mundial faz com que países importadores olhem cada vez mais para a oferta de produtos do mercado brasileiro.
Mato Grosso é o maior produtor de grãos do país e colheu, na última safra, 100,9 milhões de toneladas, mais que o dobro do que há 10 anos. Para se ter ideia, na safra 2012/13 a produção de grãos no estado foi de 45,8 milhões de toneladas.
Mas não basta produzir muito, é necessário pensar em sustentabilidade. O aquecimento global é uma discussão que se tornou prioridade e a produção com respeito ao meio ambiente é uma premissa dos países compradores. Cuidar da natureza e provar isso é um pré-requisito fundamental para comercializar os grãos. Alguns produtores que cultivam no bioma Amazônia trabalham para produzir e levar progresso para a região, preservando a floresta. A mata é responsável por garantir as chuvas de boa parte da América do Sul e abriga a maior bacia hidrográfica do mundo.
Na fazenda do Daniel Wolf, em Nova Canaã do Norte, a 700 km de Cuiabá, a imensidão verde da área de mata se mistura com a lavoura e as pastagens. Por lá, são cerca de 5 km de vegetação nativa da Amazônia preservados, ou seja, metade da propriedade. A fazenda é um exemplo de como é possível ter equilíbrio entre produção e preservação.
No campo, o sistema usado é o Integração Lavoura, Pecuária e Floresta (ILPF). Na área, ele produz grãos, tem a criação de gado e ainda cultiva florestas, com várias espécies de árvores, uma delas é o eucalipto.
“A partir do momento em que você começa integrar agricultura, pecuária e até o componente florestal, você aumenta sua produtividade tanto na agricultura quanto na pecuária”, explica o produtor.
Olhando do alto dá para ver como a fazenda prioriza o bem-estar dos animais. Os bovinos aproveitam as sombras das árvores nos momentos mais quentes do dia. Reduzindo o estresse, eles engordam mais em menos tempo.
“Só para você ter uma base, a média nacional é de 4 arrobas por hectare e, nesse sistema, a gente conseguiu chegar a 84 arrobas por hectare. A produtividade dentro das nossas fazendas foi aumentando na área agrícola e aumentando na pecuária também. Porque através dessa integração entre a agricultura e a pecuária se incrementa a fertilidade do solo”, afirma Wolf.
O eucalipto ainda tem outras funções na propriedade. Quando atinge o ponto de corte, é retirado e vira cerca ou lenha para a fornalha, que gera energia para o funcionamento do silo, onde são armazenados a soja e o milho.
“Sem dúvida, a gente tem uma oportunidade gigante de aumentar as produtividades da fazenda de maneira sustentável, sem derrubar as árvores, cuidando do bem-estar animal, da sanidade, do manejo e, principalmente, das pessoas”, disse.
Todo o conhecimento adquirido pelo produtor ao longo dos anos é repassado para outros produtores em eventos com visitas técnicas na fazenda.
“Nosso objetivo é fazer com que os produtores estejam cada vez mais perto para que todos possam ganhar juntos e, assim, a gente consiga passar a nossa imagem como produtor rural para os nossos clientes, que são os consumidores das carnes, dos grãos, dos óleos, do combustível, de várias coisas que vêm do agro. A gente quer mostrar para as pessoas que é possível produzir cada vez mais respeitando o meio ambiente e o ser humano”, finaliza.
O agro tecnológico que beneficia a cidade
Além da natureza preservada, os projetos que nascem no campo beneficiam diretamente quem vive nas áreas urbanas. Em uma fazenda de 3 mil hectares em Água Boa, município de 25 mil habitantes no Vale do Araguaia e distante 641 quilômetros de Cuiabá, a parceria entre uma representante de máquinas agrícolas e de uma operadora de telefonia levou ganho social, ambiental e econômico para uma região que era carente de conectividade.
Distante dos grandes centros urbanos, o local era apenas um entre tantos que não têm acesso à internet de qualidade no país. Dados da Anatel revelam que a cobertura 4G atinge 17,2% da área rural do Brasil, mas atende 56,46% dos moradores. Em Mato Grosso, o percentual é menor ainda, apenas 6,33% da área é coberta e só 18,73% dos moradores são atendidos.
A comunidade – que também pertence ao bioma Amazônia – saiu dessa estatística depois do nascimento do projeto. A representante intermediou a negociação com a empresa de telefonia que instalou as torres e os equipamentos de comunicação 4G na fazenda e no centro da cidade.
Agrônomo responsável pela propriedade rural onde a rede móvel foi instalada, Felipe Zmijevski explica que a chegada da internet facilitou o trabalho operacional.
“Depois que chegou a internet na propriedade, a gente teve diversos casos de auxílio dos operadores através de uma chamada de vídeo ou por meio da interação com o próprio monitor das máquinas. Isso evitou bastante deslocamento e deu agilidade às informações agronômicas e operacionais que estão acontecendo no dia a dia da propriedade”, explica.
Na safra 2022/23, a conectividade total fez com que a produtividade de soja na fazenda aumentasse 18% na comparação com ciclos anteriores, quando ainda não estava conectada. O meio ambiente também ganhou com a redução de 10% na emissão de carbono por tonelada de grãos produzidos, já que o consumo de combustível caiu 25%.
O agro que pensa em gente
Os benefícios vão além do campo. Para se ter ideia, entre 2022 e 2023, graças à chegada da internet, 62 pessoas da comunidade participaram de cursos de letramento digital e uso de ferramentas digitais. Além disso, 600 alunos de escolas públicas da região participaram de um projeto de robótica nas escolas. As crianças aprenderam sobre noções de elétrica e conceitos de circuitos, funcionamento de LED e de motores.
De acordo com o diretor de marketing e comunicação da fabricante de máquinas na América Latina responsável pelo projeto, Eduardo Penha, é uma semente plantada no campo, sendo colhida na cidade.
“A conectividade tem um impacto fortíssimo na comunidade local, que passa a fazer uso de coisas que antes não eram possíveis, como, por exemplo, a telemedicina, cursos de capacitação online, enfim, hoje nós não nos imaginamos sem o 4G”, conclui.