Apuração será sobre empresas vencedoras e participação de servidores públicos na aquisição. Suspensão da compra provocou demissão do secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura
A Polícia Federal e a Controladoria-Geral da União (CGU) vão apurar possíveis irregularidades na importação de arroz pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Serão investigadas empresas e a participação de servidores públicos no procedimento.
O certame foi anulado por decisão do governo federal, após um suposto favorecimento das quatro empresas que venceram o leilão. A averiguação se deu a partir de um pedido da própria Conab, que também está conduzindo suas próprias investigações internas por meio da Corregedoria.
A suspensão do leilão resultou na demissão do então secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Neri Geller, após indícios de “incapacidade técnica e financeira de algumas empresas”.
A Foco Corretora de Grãos, uma das principais vencedoras do leilão, é do empresário Robson Almeida de França, que foi assessor parlamentar de Geller na Câmara e é sócio de Marcello Geller, filho do secretário.
Das quatro empresas que venceram a disputa, a maior compradora é de Macapá (AP) e tem como atividade principal a venda de leite e laticínios. Outra pertence a um empresário de Brasília que afirmou ter pago propina para conseguir um contrato com a Secretaria de Transportes do Distrito Federal.
Associações de produtores alegam favorecimento na realização do certame. Inicialmente, o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, anunciou que Geller deixaria a pasta por vontade própria. No entanto, o então secretário deixou claro que se tratava de uma demissão. A exoneração foi publicada nesta quarta-feira no Diário Oficial da União (DOU), assinada pelo ministro Rui Costa, da Casa Civil.
Geller afirmou que o leilão foi “um equívoco” e que não seguiu as recomendações dos técnicos do órgão. Ainda segundo ele, a decisão de importar arroz por meio de leilão foi de Fávaro e de Rui Costa. “Infelizmente, (o leilão) foi conduzido de forma equivocada, e não estou falando de má-fé por parte de ninguém. A quantidade ofertada foi decisão da Casa Civil. O ministro Fávaro puxou o assunto 100% para seu gabinete”, disse, em entrevista à Band News TV.
Bode expiatório
O ex-secretário — um dos poucos políticos ligados ao agronegócio que esteve ao lado de Lula desde a campanha eleitoral — avisou que sua biografia “não vai ser jogada no lixo” e que não vai aceitar, “de forma nenhuma, sair como bode expiatório dessa história”. “Vou me posicionar com muita firmeza e depois vou sair da mídia”, assegurou.
Perguntado sobre a atuação de Fávaro, Geller evitou polemizar, mas não escondeu uma ponta de decepção com sua demissão. “Não posso ser penalizado por um erro político que foi cometido na condução desse leilão”, queixou-se. “Não posso sair atirando no ministro Fávaro, por ética e respeito. Mas a relação do governo com o Congresso precisa ser melhorada, com certeza. Não estou torcendo pela queda do ministro. Peço para que ele dialogue, não centralize tanto as ações. A pasta precisa do apoio do Congresso Nacional.”
O leilão foi estabelecido para reduzir o preço do arroz após as enchentes no Rio Grande do Sul. O estado é responsável por 70% da produção nacional do grão. Foram adquiridas 263,37 mil toneladas de arroz importado no certame de compra pública. A União ainda pretendia fazer novo pregão, sem data definida.
A ideia do governo era vender o arroz importado em embalagem específica a R$ 4 o quilo, de forma que o preço final não ultrapasse R$ 20 pelo pacote de 5 quilos. Em nota, a CGU afirmou que há “esforço conjunto entre as instituições para garantir a transparência e a correção dos processos envolvidos na importação do arroz”.
O presidente da Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Federarroz), Alexandre Velho, afirmou que o cancelamento do leilão por si só é “reconhecimento de grande erro”. Ele assegura que a medida não é necessária e que o abastecimento do país é suficiente. De acordo com produtores, a importação pode comprometer o setor e a autossuficiência do Brasil na produção de arroz.