Morte de estudante vítima de mentiras sobre um suposto relacionamento com youtuber deflagra reações contra o vale-tudo das redes e põe pressão no Congresso para aprovar projeto de regulação
A discussão envolvendo a regulamentação das redes sociais voltou a ganhar força no país após a repercussão do caso da morte da jovem Jéssica Canedo. Ministros e parlamentares governistas usaram as redes sociais para defender o Projeto de Lei (PL) das Fake News, que está parado na Câmara e enfrenta grande resistência da oposição.
O ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, defendeu que a regulação das redes sociais é um “imperativo civilizatório” sem o qual não se tem como falar em “democracia ou mesmo em dignidade”. “A irresponsabilidade das empresas que regem as redes sociais diante de conteúdos que outros irresponsáveis e mesmo criminosos (alguns envolvidos na política institucional) nela propagam tem destruído famílias e impossibilitado uma vida social minimamente saudável”, disse.
O próprio ministro tem sido alvo de ataques nas redes sociais. Ele pediu, na semana passada, que o Ministério Público investigue a autoria de comentários racistas feitos em suas postagens.
O líder do Partido dos Trabalhadores (PT) na Câmara, Zeca Dirceu (PT-PR), cobrou o avanço da tramitação do projeto. “Isso deve ser prioridade já no início do ano para o Parlamento”. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), no discurso de Natal, também falou sobre o descontrole das redes. “Vamos combater as fake news, a desinformação e os discursos de ódio. (Vamos) valorizar a verdade, o diálogo entre as pessoas”.
Com o endosso do presidente, o relator do projeto na Câmara, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), acredita que o projeto ganhará força no Parlamento a partir de fevereiro e, com alguns ajustes, pode ganhar adesão de mais deputados para que avance na Casa. Ao Correio, o parlamentar disse acreditar ser possível votar a matéria. “O presidente (da Câmara) Arthur Lira (PP-AL) já alertou inúmeras vezes sobre a relevância da matéria. Penso que, na retomada das atividades da Câmara dos Deputados, o colégio de líderes poderá conhecer o atual estado da arte e avaliar a possibilidade de votar a matéria”.
“Sou otimista, imagino que devamos votar. A regulação de plataformas digitais é tema em debate no mundo inteiro, e acredito que devemos nos sintonizar com o mundo”, avaliou Orlando Silva.
Opositores do projeto, porém, acusam o governo de usar a morte de Jéssica Canedo para reacender o debate sobre a regulação das plataformas digitais. O deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) chamou os parlamentares de esquerda de “canalhas” e disse que a ala política é “doente”. “Sobem em cima da morte de uma inocente para pautar censura e agenda política”.
O projeto também enfrenta resistência do lobby das big techs, principalmente, aquelas que controlam as redes sociais, como X (antigo Twitter) e Facebook, além do Google. As plataformas falam em cerceamento da liberdade de expressão. Assim que o relatório final da matéria foi entregue pelo relator na Câmara, o Google iniciou uma campanha na página inicial do buscador contra o texto, argumentando que “o PL das Fake News pode aumentar a confusão sobre o que é verdade ou mentira no Brasil”. A mensagem foi tirada do ar depois que a empresa foi notificada pelo Ministério da Justiça.
Entenda o caso
Jéssica Canedo, 22 anos, tirou a própria vida após páginas de fofoca nas redes sociais divulgarem supostas conversas da jovem com o humorista Whindersson Nunes, com quem estaria iniciando um relacionamento. O caso ganhou proporção depois que um perfil no Instagram chamado Choquei compartilhou prints dessas mensagens sem antes verificar a veracidade da informação.
As conversas eram falsas. Antes de morrer, Jéssica publicou em sua conta que as mensagens se tratavam de uma mentira e que estava sofrendo ataques na internet depois de ter seu nome divulgado pela página de fofoca. De acordo com a jovem e com Whindersson Nunes, que também negou a veracidade da informação, o suposto diálogo foi montado por uma conta falsa, com o intuito de ganhar engajamento com o nome do humorista.
Por conta dos ataques, a mãe de Jéssica chegou a pedir para que a publicação envolvendo o nome da jovem fosse retirada das páginas de fofoca, para evitar que a filha atentasse contra a própria vida, já que ela sofria de depressão. O administrador do Choquei ironizou a situação em outra postagem. Horas depois, a família confirmou a morte da estudante.
A Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) informou que um inquérito foi instaurado para investigar as reais causas da morte de Jéssica. O humorista Whindersson Nunes lamentou o ocorrido, se solidarizou com a família da estudante e garantiu que vai unir esforços para criar a Lei Jéssica Almeida, que visa garantir um ambiente virtual mais seguro.