Ministro da Justiça é provocado pela oposição no Senado, mas evita confronto político e é aprovado por 47 a 31 para assumir uma cadeira no Supremo
Depois de uma maratona de mais de 10 horas de sabatina na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, seguida de votação no plenário, o ministro da Justiça, Flávio Dino, garantiu a vaga no Supremo Tribunal Federal (STF). Também recebeu o aval dos parlamentares o subprocurador Paulo Gonet, que comandará a Procuradoria-Geral da República (PGR). O resultado na Casa é uma vitória para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre a oposição, que se empenhou para derrubar a indicação de Dino.
No plenário do Senado, o ministro da Justiça obteve 47 votos a 31 pela sua aprovação à Suprema Corte. Na CCJ, o placar foi de 17 a 10. Já Gonet recebeu o aval de 65 senadores, e houve 11 votos contrários. Na comissão, o aval ao nome dele foi por 23 a 4.
Ao longo da sabatina, os dois procuraram se esquivar de polêmicas e de embates com a oposição. Dino, na condição de ministro da Justiça, foi um dos integrantes do Executivo mais chamados para audiências no Congresso neste ano, nos quais, muitas vezes, travou embates com opositores do governo. No início da deliberação, nesta quarta-feira, ele afirmou que a sessão não deveria ser pautada no debate político. Ressaltou que, apesar de ter sido governador e deputado, as características como notável saber jurídico e reputação ilibada devem ser os pilares da análise dos integrantes do colegiado.
“Não vim aqui fazer debate político. Não me cabe, neste momento. Vim aqui apenas responder ao atendimento de dois requisitos constitucionais: notável saber jurídico e reputação ilibada”, afirmou. “A pergunta que se impõe é: ‘O que fazer no Supremo?’ Gostaria de sublinhar, em primeiro lugar, que tenho um compromisso indeclinável com a harmonia entre os Poderes”, frisou.
Dino destacou também que, durante sua trajetória, recebeu diversos políticos e que esse diálogo com os parlamentares deve continuar. “Tenho muito respeito à política brasileira. Neste ano, recebi no Ministério da Justiça 425 políticos de todos os partidos representados nesta Casa. Senadores, deputados, governadores, prefeitos, vereadores, 425 audiências. E ninguém foi mal recebido, mal acolhido ou deixou de ser ouvido. Esse acesso, para quem tem firmeza assentada em uma vida inteira, pode e estará presente na minha atuação no Supremo Tribunal Federal”, apontou.
Em busca da aprovação, Dino adotou um tom menos combativo e evitou abordar temas que pudessem desagradar a bancada bolsonarista no Senado. Ele frisou não cultivar “inimigos pessoais” e disse que até almoçou com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Ainda se esquivou de responder diretamente se julgará ações envolvendo o ex-chede do Planalto ao assumir o posto no Supremo.
O questionamento inicial partiu do senador Rogério Marinho (PL-RN), líder da oposição na Casa. “Vossa Excelência se sentiria impedido de julgar seu inimigo declarado que é o ex-presidente Jair Bolsonaro?”, perguntou o parlamentar, que foi ministro do antigo governo. “O exercício da função judicante não me é estranho e a minha prática concreta nesses 12 anos (de juiz) ilustra bem que distingo a ética de cada profissão”, respondeu Dino.
Comportamento
Marinho, bem como outros senadores da oposição, não deixou de comentar a mudança na postura de Dino. Segundo o parlamentar, após ser indicado para a Corte, o ministro vestiu “um figurino diferente do que estamos acostumados, de alguém belicoso, ferino, irônico”.
O senador Magno Malta (PL-ES) pontuou que Dino “é inimigo político de Bolsonaro” e herdará os processos da ministra aposentada Rosa Weber. O ex-presidente responde no STF por incitação aos ataques de 8 de janeiro, que culminaram na depredação dos prédios dos Três Poderes; por relacionar a vacina contra a covid-19 com o vírus HIV; por supostamente ter interferido na Polícia Federal e pela disseminação de fake news durante a campanha eleitoral do ano passado.
Próximo do fim da sabatina, Eduardo Girão (Novo-CE) voltou a falar no ex-presidente, questionando se Dino se declararia suspeito. “O senhor não respondeu aos senadores que questionaram sobre os processos de adversários no Supremo”, frisou. O ministro, no entanto, reiterou que não poderia se manifestar sobre casos concretos sem acesso aos autos.
Como esperado, Dino foi o alvo preferencial na sabatina. Gonet acabou sendo pouco acionado. Vários senadores da oposição mal interagiram com o subprocurador. Caso de Flávio Bolsonaro (PL-RJ), que se fixou no titular da Justiça e nem se dirigiu ao então candidato à PGR. “Senador Flávio, nenhuma pergunta para o senhor Gonet?”, perguntou Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), que preside a CCJ. O filho do ex-presidente responde: “Não, senhor presidente”.
Um dos poucos questionamentos mais duros a Gonet envolveu o posicionamento dele, em junho, no Tribunal Superior Eleitoral, a favor da inelegibilidade de Bolsonaro. Como vice-procurador-geral eleitoral, ele pediu a condenação do ex-chefe do Executivo em seu parecer, por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação na reunião com embaixadores no Palácio da Alvorada, em julho de 2022, pregando contra a urna eletrônica.
“Eu não entendi o voto do senhor que deixou o ex-presidente Jair Bolsonaro inelegível. Alguém ser condenado e perder seus direitos políticos porque se reuniu com embaixadores? Qual é o problema? E porque ele falou mal da urna? Eu continuo falando mal da urna”, questionou o senador Magno Malta (PL-ES).
O novo PGR respondeu que fez um trabalho técnico, “como todos os outros pareceres que eu proferi”. “Resultou de uma convicção depois de um estudo apurado dos fatos que estavam relatados nos autos. O parecer tinha mais de 40 páginas. Seria difícil eu, agora, no tempo exíguo que eu disponho de tréplica, expor todas as razões que me levaram a essa convicção”, rebateu.